O
fatídico e lamentável episódio do atentado contra a revista humorística
francesa Charlie Hebdo reacende uma das mais polêmicas discussões que repercute
no mundo contemporâneo que é liberdade de expressão. Depois de muita reflexão, seja
na qualidade de jornalista, professor da área de Comunicação Social, cientista
social e, sobretudo, cidadão, fui paulatinamente construindo o meu ponto de
vista acerca do tema em questão até me sentir seguro o bastante para falar a
respeito, coisa que o faço pela primeira vez nesse artigo,o mesmo que me faz retornar à blogosfera, depois de uma longa pausa compulsória.
E
a conclusão a que cheguei,sobretudo, depois de ler diversas opiniões a respeito
do tema desencadeado a partir desse episódio destacado pela imprensa do mundo
inteiro é a de que, realmente ao que me parece, ainda existe uma certa confusão
conceitual, de natureza perceptiva em torno do que denominamos de liberdade, liberdade de expressão e
liberdade de imprensa. Trata-se aqui de uma confusão até certo ponto
natural, se levarmos em consideração a falta de consenso existente até os dias
de hoje em torno de cada um desses três atos de direito civis, conforme veremos
a seguir.
A
falta de entendimento comum, ou seja, consenso, se dá inicialmente a partir da
diversidade conceitual em torno do significado da liberdade. O ‘desentendimento’
se inicia já a partir dos diferentes e por vezes, distintos, pontos de vistas
apresentados por alguns dos pensadores da Filosofia Clássica, campo em que a
liberdade sempre foi amplamente discutida. Basta citar, por exemplo, que, enquanto
para Sartre, o filósofo do existencialismo, a liberdade representa a condição
ontológica do ser humano, ou seja, o homem é antes de tudo, um ser livre, para
Schopenhaur, a ação humana não é totalmente livre e está condicionada a níveis
de objetivação de sua vontade. Para esse, o homem nem sempre é livre para
deliberar sobre sua vontade. Dito de outra forma, vemos aqui uma diferença
entre a liberdade vista sob o ponto de vista ontológico, natural, e a mesma
vista sob um prisma mais, social, ou diríamos,
sociopolítico.
Dentro
de uma leitura mais simplificada ou simplista, tendo em vista que trata-se aqui
de uma visão de um leigo na Filosofia, diria que ambos os pensadores apresentam
visões corretas e interessantes, tendo em vista que, do ponto de vista das leis
naturais, podemos afirmar que nascemos todos seres livres, dispostos a gozarmos
de uma liberdade plena, ilimitada. Porém, do ponto de vista regido pelas leis
sociais, humanas, nos tornamos seres relativamente livres, uma vez que não
somos ‘donos’ de nossas vontades. Essas, passam a ser legisladas pelo direito
civil que, por sua vez, tentam nos garantir o direito às mais diversas formas
de liberdade, como liberdade de expressão, liberdade de pensamento, liberdade
religiosa, etc.
Adentrando
no campo da noção acerca dos dois outros elementos, nos deparamos com uma confusão,
talvez ainda maior, gerando, muitas vezes, uma certa dicotomia entre liberdade
de expressão x liberdade de imprensa. Trata-se aqui, vale salientar, de uma
confusão que nasce, de um lado, de forma natural e respaldada numa dificuldade
de entendimento conceitual acerca das de cada uma dessas modalidades de
liberdade e, de outra, de forma intencional, ou seja, movida de alguma forma pelo
interesse de confundir propositadamente a opinião pública, visando outros interesses
que não especificamente o direito amplo à liberdade.
Ao
contrário do que querem que pensemos, apesar de próximos um do outro, liberdade
de expressão e liberdade de imprensa não são direitos similares. No primeiro
caso, temos o direito à informação e liberdade de expressão que são direitos
dos cidadãos, cláusulas pétreas da constituição. Já a liberdade de imprensa, diz
respeito a um outro tipo de direito. Trata-se aqui de um direito acessório das
empresas jornalísticas, ou seja, uma determinada modalidade de direito que só
se justifica se utilizado para o cumprimento correto da missão constitucional
que lhe foi conferida, ou seja, trabalhar a informação de caráter social, de
interesse público, voltada para o bem comum dos cidadãos (?!).
Dentro
desse contexto, portanto, podemos tirar uma série de conclusões. Algumas
felizes, outras nem tanto. Uma das felizes é a de que, através do direito à
informação e liberdade de expressão de que constitucionalmente lhe é garantido,
pode qualquer cidadão se informar e se expressar através de todo e qualquer
meio de comunicação, socializando dessa forma, o seu pensamento, a sua visão de
vida, de mundo e acerca de temas ou acontecimentos específicos que lhes são de
seu interesse. E que, assim sendo, é natural que ele possa se valer dos mais
diversos meios de comunicação social, especialmente, a imprensa, para não
apenas se informar mas, também expressar-se. E, ai, como sabemos, nos deparamos
com uma das conclusões infelizes, pois trata-se aqui de uma das liberdades mais
restritas de que sofre o cidadão na sociedade atual, mesmo entre aquelas que se
autoproclamam gozando de pleno estado democrático de direito, como a nossa.
Eis
uma realidade que, apesar de amenizada com a chegada e progresso da internet e
especialmente, das redes sociais, no tocante ao universo da imprensa, ainda deixa
muito a desejar. Recentemente, ao realizarmos um trabalho de pesquisa crítico-analítico
sobre o espaço concedido pelos órgãos de imprensa aos sujeitos receptores, eu e
alguns de meus alunos averiguemos que não só há uma defasagem de espaço aberto
para esses, como houve uma redução considerável desse espaço nos jornais
impressos da imprensa paraibana.