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sexta-feira, 26 de junho de 2009

Diploma em Jornalismo: algumas falácias

Por uma série de motivos de falhas técnicas, não foi possível postar novas mensagens no decorrer das últimas semanas no blog. Por essa razão inicio o comentário pedindo desculpas aos amigos internautas que compartilham deste web espaço e, em especial, aqueles que me reclamaram por novas postagens.

Dito isto, passemos ao assunto tema desta postagem sobre o qual temos nos debruçado nos últimos dias juntamente com colegas profissionais e estudantes de jornalismo do Brasil a fora. Referimo-nos ao ato insensato cometido pelo STF, há dias atrás, contra a categoria de jornalista, em nome dos grupos oligárquicos dos meios de comunicação que há tempo vêm tentando enfraquecer e desqualificar o exercício da profissão. E, neste sentido, claro que nada melhor do que colocar abaixo o diploma exigido para tal, conforme o episódio ocorrido em Brasília, apoiado numa série de argumentos para lá de estapafúrdios.

E é justamente sobre estes tais argumentos levantados pelos opositores do diploma em Jornalismo – incluindo dentre estes algumas celebridades do jornalismo brasileiro empregadas por alguns dos veículos de comunicação que compõem a grande mídia – que trataremos neste primeiro comentário sobre o tema.

Antes de irmos a este, entretanto, é preciso que se diga que, apesar de ter sido dado como um voto já vencido e irrevogável, conforme foi apresentado pela imprensa oficial, a questão não morreu por aqui e ainda promete levantar muita discussão (pelo menos isto...). É preciso que todos saibam que, além dos protestos realizados por jornalistas, professores e estudantes dos cursos de jornalismo, a luta pela valorização do diploma tem recebido apoio através de manifestos advindos de várias entidades representativas brasileiras, a exemplo da OAB, numa prova irrefutável do grande equívoco cometido pelos senhores juízes do STF. Afinal de contas, trata-se da quebra de um direito adquirido há mais de 40 anos, para ser mais preciso em 1962, quando foi legitimada a obrigatoriedade de formação específica na área, em nível universitário. Medida esta que só tem beneficiado a sociedade brasileira com a formação de profissionais melhor qualificados e conscientes do seu dever não apenas técnico mas, também ético mediante o processo de produção e difusão da informação de interesse público, que é o que menos importa aos detentores das concessões públicas de TV e rádio espalhadas pelo país - a maioria em mãos de grupos políticos mandatários. Em síntese, para estes, a função de jornalista se restringe a de mero segmentador da informação, e só. Se muitos dos profissionais diplomados fogem às diretrizes básicas do bom jornalismo, esta é uma outra questão que deve ser tratada, como, aliás, já vem sendo discutida pelas entidades representativas e instituições de ensino superior de todo o país. Neste sentido, é importante ressaltar que há meses estas vêm discutindo as novas diretrizes dos cursos de Jornalismo votando propostas para a melhoria do ensino e preparação dos novos profissionais em todo o país.

Mas enfim, este é um outro assunto especifico sobre o qual trataremos neste espaço numa outra oportunidade. Agora sim, expomos abaixo, alguns dos argumentos contrários ao diploma muitos dos quais foram apresentados pelos juízes em seus pareceres mediante a questão e que culminou com a cassação do diploma universitário em Jornalismo. Trata-se de trechos extraídos do livro “Formação Superior em Jornalismo – uma exigência que interessa à sociedade”, publicado em 2002, pela Federação Nacional de Jornalismo em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina. A publicação traz uma série de artigos escritos por professores e jornalistas profissionais discutindo o dilema em questão e que teve início em Em outubro de 2001, quando a juíza substituta da 16ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo, Carla Abrantkoski Rister, em processo de iniciativa do Ministério Público Federal . Procurador da República André de Carvalho Ramos, concedeu .liminar. (tecnicamente tutela antecipada) extinguindo a obrigatoriedade da formação superior em Jornalismo para o exercício da profissão. A decisão reacendeu o debate sobre a necessidade e a especificidade da formação e sobre as implicações de ordem ética, técnica, estética e tecnológica do parecer da juíza, com suas conseqüências para a profissão, para a categoria e para a sociedade. Reproduzimos abaixo, um dos capítulos do livro:


Jogo dos sete erros: desmascarando algumas falácias sobre a regulamentação profissional dos jornalistas (Fred Ghedini)

1 . A legislação que regulamenta a profissão é ilegítima porque foi feita na época do regime militar.

É verdade que a base da legislação que regulamenta a profissão, o Decreto-Lei 972, de 17 de outubro de 1969, foi assinado pela justa militar que governava o país na época. No entanto, esse Decreto e a legislação posterior que o edificou (Lei 6.612 de dezembro de 1978 e Decreto 83.284 de março de 1979) responderam a um anseio dos jornalistas que, desde 1918, reivindicavam a implantação do ensino de nível superior para o jornalismo no país. Por isso, o movimento sindical dos jornalistas no país nunca teve dúvidas sobre a legitimidade de tal legislação, a ponto de confirmá-la integralmente, com algumas melhorias, no projeto de lei de criação dos Conselhos Federal e Regionais de Jornalismo, que está para ser enviado ao Congresso Nacional.

2 . A exigência do diploma de jornalismo para o exercício da profissão se choca com a liberdade de expressão.

Esse tem sido o principal argumento dos proprietários dos veículos de comunicação e de todos aquele que procuram derrubar nossa regulamentação. O argumento é estapafúrdio pois confunde liberdade de expressão com o exercício da profissão de jornalista. É tão absurdo quanto dizer que todas as pessoas que não escrevem nos jornais, ou não aparecem no vídeo apresentando notícias em telejornais, ou não têm voz nos programas jornalísticas do rádio, têm sua liberdade de expressão cassada. Se assim fosse, a única forma de garantir a liberdade de expressão para a sociedade seria que todos os cidadãos praticassem o jornalismo, o que até poderia ser muito saudável, observados os parâmetros deontológicos da profissão, mas é
francamente impossível.

3 . A exigência do diploma é elitista pois restringe a profissão aos que têm acesso à faculdade.

O mesmo argumento serve para todas as profissões que têm em sua regulamentação a exigência de curso superior. É falacioso pois esconde que a sociedade em que vivemos é excludente e injusta, pois não assegura educação de qualidade para todos os seus integrantes, como aliás está na Constituição e deveria ser meta de qualquer governo sério. Jogar a culpa pelas enormes discrepâncias sociais existentes no país na regulamentação profissional dos jornalistas é algo que beira a má fé e só pode ser compreendido como um truque dos donos dos veículos, para enganar os menos avisados, ou de profissionais de outras áreas que olham para nossa profissão com uma certa inveja. Não está vedado a nenhum brasileiro que tenha concluído o ensino médio tentar uma faculdade de jornalismo. A barreira econômica que existe é a mesma para outras profissões tão importantes quanto a dos jornalistas, como por exemplo a dos juizes, que precisam fazer um curso de direito se quiserem trilhar esse caminho profissional. Na verdade, a exigência do diploma específico é hoje uma garantia de acesso universal à profissão. Do contrário, os donos dos veículos seriam também os donos dos critérios para dizer quem poderia ou não ser jornalista.

4 . Jornalismo é uma questão de talento.

Até a década de 50, antes da existência dos cursos de jornalismo, a profissão era vista como uma ocupação de boêmios, poetas e escritores. Gente talentosa, ou nem tanto. As pessoas aprendiam muito no dia-a-dia da profissão, com os mais velhos. Mas, desde então, tudo mudou: o ritmo do trabalho nas redações intensificou-se absurdamente, exigindo dos jovens profissionais que desempenhem seu trabalho sem titubear, desde os primeiros momentos na profissão. Nessas condições, passar pelo curso específico de jornalismo é a condição mínima para quem pretende ser jornalista. É lógico que essa formação deve ser complementada, seja com o aprofundamento na formação humanística, seja com especializações, o que obriga muitos jornalistas a fazerem mais de um curso superior, ou a freqüentarem cursos de especialização em outras áreas. Assim, nada impede que pessoas talentosas façam o curso superior de jornalismo.

5 . A profissão de jornalista não requer qualificações profissionais específicas. Basta saber escrever. O resto se aprende em poucas semanas de prática.

Para ser jornalista, é preciso bem mais do que talento no trato com as palavras. É preciso ter um conhecimento amplo sobre cultura e legislação; uma formação sólida sobre os valores éticos que fundamentam a vida em sociedade e que consolidam as conquistas da civilização; o conhecimento das regras deontológicas da profissão, como por exemplo ouvir sempre as várias partes interessadas em uma disputa; uma disciplina quase que doentia para checar as informações antes de divulgá-las. Além disso, é preciso que o profissional adquira conhecimentos técnicos, necessários para entrevistar, reportar, editar e pesquisar os assuntos mais variados. Mas, para ser um batalhador da verdade, é preciso tudo isso e mais um pouco. O jornalista precisa ter condições de olhar criticamente os processos sociais, inclusive dos meios de comunicação de massa. Isso permite que o profissional veja sempre de vários ângulos as questões que estão sendo tratadas e não embarque, ingenuamente, na primeira versão. O curso de jornalismo deve servir para cultivar esses valores e essas práticas nos jovens que pretendem trabalhar na profissão. Essas são as exigências para a formação do jornalista, e são importantes para que a população receba uma informação de qualidade.

6 . O Brasil é o único país do mundo em que existe a exigência do diploma de jornalismo. Nos países desenvolvidos, essa exigência não existe.

É verdade que o Brasil é um dos poucos países do mundo em que a regulamentação da profissão é baseada na exigência do diploma. Mas, o que se deve questionar é se essa exigência é boa ou ruim, uma vez que as sociedades não estruturam seus corpos legais e jurídicos simplesmente copiando o que há nos outros países. O que sabemos é que em todo o mundo tem aumentado de forma consistente e permanente o número de jornalistas que passaram por uma formação em curso superior específico. Por outro lado, os donos dos veículos no Brasil formam um dos grupos mais poderosos, corporativos e privilegiados, com inúmeras ramificações no parlamento e uma existência incestuosa com o poder. Essa situação não se repete nos países mais desenvolvidos, onde há legislações rigorosas colocando limites aos poderes dos donos dos meios de comunicação, particularmente dos meios eletrônicos. Tudo isso transforma a exigência do diploma em jornalismo no Brasil na forma que temos hoje para garantir a liberdade de expressão para a população, universalizando o acesso à profissão e impedindo que esses proprietários venham a ser, também, os donos das consciências dos profissionais que trabalham nas redações dos jornais, TVs, rádio e portais noticiosos do país.

7 . Os cursos de jornalismo são de má qualidade. Portanto, exigir o diploma específico é criar uma reserva e um incentivo para um ensino ruim.

Em primeiro lugar, não é verdade que o ensino de jornalismo seja ruim. Existem escolas de todos os níveis de qualidade. Depois, o ensino, no Brasil, passa por maus momentos, em todas as áreas, em todos os níveis. A política geral do MEC privilegia a quantidade em detrimento da qualidade, ao mesmo tempo em que deteriora o ensino público, favorecendo o ensino pago. Em conseqüência dessa política, o nível do ensino vem decaindo ano a ano no país, não só no ensino superior, mas também no ensino fundamental e no ensino médio. Partir dessa constatação, para ficar nisso mesmo, não traz nenhuma possibilidade de melhora. Argumentar que os cursos são ruins e
portanto não devem ser obrigatórios, é aceitar sem reservas que as autoridades do país não tenham nenhum responsabilidade no sentido de fiscalizar a qualidade do ensino, acreditando que as leis do mercado vão operar positivamente na direção da melhora do ensino. A se dar crédito para esse tipo de argumento, não deveria ser obrigatório o diploma em nível superior para nenhuma profissão. Em contrapartida, seria uma atitude bem mais responsável, socialmente falando, criticar a qualidade do ensino e se envolver nas iniciativas necessárias para melhorá-lo. No caso do jornalismo, essa obrigação é dos estudantes e professores de jornalismo, mas também dos jornalistas profissionais, de seus Sindicatos e da Federação Nacional dos Jornalistas, que têm patrocinado nacionalmente o movimento pela qualidade do ensino do jornalismo. Das empresas de comunicação, que lucram com o trabalho dos jornalistas. E de todos os cidadãos conscientes da importância que tem a informação de qualidade para a própria democracia.